#1 Vienna espera por todos nós
É clichê, eu sei, mas toda vez que escuto Vienna do Billy Joel me acabo de tanto chorar. Não só é uma música muito linda, com sua melodia envolta no piano magnifico de seu compositor, como também ressoa, em letra, com o que preciso corriqueiramente ouvir: a vida acontece no seu tempo, se apressar trará apenas exaustão de ser.
Todo o ar de esperança de uma vida deslumbrante prometida me apetece de forma ainda mais especial no momento em que escrevo este texto, alguns dias após ter recebido a pré-confirmação de diagnóisticos tardios e ter acatado à iniciação da medicação adequada para questões mentais que serviram durante os últimos vinte e quatro anos de minha vida como amarras de ferro, me mantendo sempre o mais próximo do chão possível.
É claro, essas não são receitas milagrosas, mas de fato trouxeram um certo norte muito necessitado por mim. Com as crises de mania e depressão em semi jaulas consigo me organizar melhor, levantar melhor, existir melhor, estudar melhor e escrever melhor, algo inédito e que imediatamente me traz o conforto de que talvez as coisas não precisem ser tão difíceis assim.
Falando em mania, minha última crise aconteceu há mais ou menos um mês e durou cerca de duas semanas; durante esses quinze dias decidi que queria fazer novamente o vestibular, afim de embarcar no bacharelado de letras e entrar de cabeça nas inúmeras possibilidades da área em que durante muito tempo existi apenas como professora. Foi uma decissão sem muito pensar, mas que logo foi se materializando, mesmo contra as advérsias de morrar há quilometros de onde pretendo estudar, em Brasília.
O resto da crise se desdobrou em uma rotina exímia de estudos, momento em que afundei minha cara em questões de matemática, biologia e física, matérias essas em que tenho extrema dificuldade, e finalmente entendi fórmulas que antes eram como uma língua completamente desconhecida por mim. Yay hiperfoco de mania !
Mas voltando a Vienna, após um longo período sem escutar tal música (meus fones continuam completamente dedicados à voz de Chappell Roan) a escutei ontem, no modo aletório do celular enquanto cozinhava o almoço, e ali naquele momento um sentimento particular tomou conta de mim: eu ainda tenho tempo de ser o que quero e preciso ser.
Mas, o que exatamente isso quer dizer? bem, ser a literata que desde mini-lavi sempre quis ser. Não só no quesito de carregar em meus bolsos uma bagagem de livros lidos, mas também em ser alguém da academia, pessoa importante de grandes estudos, alguém apto a dialogar e escrever sobre inúmeras obras, repercurssões socioculturais, a literacia da vida real, alguém apto a dançar por entre palavras e poder criar conhecimentos de grande relevância ao mundo, viver através de letras numa página para toda eternidade.
Por infortunios da vida - morar num interior distante e pacato, vir de família pobre e não ter a estabilidade mental para nada durante os primórdios de minha vida adulta - esse feito não fora possível até agora. Claro, sou licenciada no ensino da Língua Inglesa, carrego comigo não só paixão pelo que fiz durante os últimos cinco anos como também o grande retorno do meu trabalho através de alunos e colegas, mas apesar dos apesares sempre quis mais pra mim mesma, mais do que os corredores de escolas particulares de idiomas das redondezas.
Não ajuda que, por conta dos já mencionados infortúnios da vida, minha licenciatura fora concluída em EAD, e que mesmo estudando além da bibliográfia padrão e me dedicando exaustivamente à pesquisa, nunca me senti de fato satisfeita com as cadeiras, além de ter sentido extrema dificuldade e ter pensado em desistir tantas e tantas vezes durante o percurso dos quatro anos estudando através de uma tela.
Hoje não sinto mais vergonha de como se deu minha primeira educação academica - até porque ter entrado na faculdade em primeiro lugar se fez possível pela bolsa de cem porcento que consegui através do Enem - muito menos tenho vergonha de estar “atrás” de meus colegas de área, pois me vejo agora muito mais apta a buscar o ser que é e sempre foi meu por direito.
Portanto, é essa razão que me derubo em lágrimas com o mero tocar de Vienna, por olhar para trás e não ver em meus esforços tempo jogado ao ar, por notar que o caminho até aqui me ajudou a construir uma pessoa inteligente, sensível e apta a alcançar ainda mais nos anos e decádas que ainda estão por vir, e eu mal posso esperar para conhecer tudo que o mundo há de me proporcionar nas passagens de ano a surgir.