Quando criança eu tinha muito medo de tudo que envolvia a estética cristã, desde os santos esculpidos em madeira, barro ou mármore até as pinturas tristes de Jesus a caminho de sua crucificação, tudo me amedrontava a ponto de não conseguir olhar. É claro, poderia argumentar que já era ali uma indicação de que o cristianismo e sua imagética de sofrimento não eram para mim, mas também argumento que toda a construção do simul
acro cristão é bizarra para qualquer criança que passe às olhar por mais de um relance, seja na igreja ou em outros lugares, como na casas de familiares; não ajuda muito que na cultura em que estamos inseridos - o cristianismo cultural latino - a devoção se transfere à decoração das casas por meio de altares caseiros, figuras, pinturas e cruzes estampadas por todas as paredes possíveis, com a resposta de que a crença e a proteção moram ali, na representação visual além da missa.
Minha experiência nesse quesito não foi muito diferente da de outras crianças num ambiente levemente católico, meus pais nunca foram muito ligados à religião, mas minha avó paterna é, e era ela quem me convidava para frequentar igrejas, novenas e celebrações de domingos santos, era com ela que em toda viagem parávamos para entrar nas igrejas matrizes de cidades pequenas e grandes no nosso caminho - algo que para mim sempre foi bem-vindo, pois apesar de tudo esses lugares carregavam uma certa beleza anciã; nesses momentos me encontrei no meio de muitas imagens, algumas idas à missa e aos encontros de novena, carregando comigo sempre um certo desconforto com as representações da santidade ao meu redor, pois tudo parecia estar impregnado com uma sensação quase sufocante de dor, algo que pra mim ainda criança era demais para poder suportar ou sequer racionalizar sobre.
Minha avó paterna aproveitava que era ela nossa cuidadora enquanto meus pais trabalhavam e tentou de tudo para que os netos seguissem sua fé - e até hoje ela não sabe que isso foi em vão, prefiro me poupar de conflitos em relação a isso -, mas a história mais significativa com a imagem de uma santa devo a minha avó materna, Terezinha. Essa avó tinha em seu quarto uma imagem da sua santa chará, uma pequena estátua de plástico comum, mas que para uma criança carregava um segredo assombroso: ela brilhava no escuro, e quando brilhava ficava a pairar no meio de tudo como uma aparição fantasmagórica.
Aquela figura não representava para mim nada mais do que sua luminosidade na escuridão do quarto que eu via pelo solar da porta adjacente à sala de estar, e tudo nela me deixava inquieta, me trazia uma sensação de estar sendo observada por um fantasma. Isso perdurou por toda minha infância. fosse nos dias e noites em que frequentava a casa da minha avó enquanto minha mãe trabalhava ou nos almoços de domingo, lá estava ela, me encarando com sua luminosidade verde neon.
Chegou um dia que aquilo parou de me afetar, a santa tornou-se enfim o objeto, a representação, uma imagem à distância do alcance daqueles que se reuniam na sala de estar e na cozinha. Apesar de tudo, às vezes eu a observava na cômoda de mogno, lá sempre parada, com seu brilho misterioso nas sombras do quarto que eu agora frequentava para admirar os vários artefatos de minha avó.
No fim, não sei direito como, ela foi parar na casa de meus pais, acho que por presente e token de carinho e proteção de dona Terezinha; por um tempo ela morou na prateleira, era agora a única imagem de fé ali, abençoando os dias e pairando à noite, sem mais me amedrontar, apenas como a representação dos dias em que me vi fascinada com o terror proporcionado por seu intenso brilho no puro umbral de uma casa velha ao entardecer.
Hoje já não sei onde ela está, chegou um momento em que parei de ve-la e não tive a vontade de perguntar à minha mãe sobre sua não-presença. Talvez santa Teresinha esteja guardada em alguma gaveta ou caixa, ou talvez tenha ido para a doação, difícil decifrar o fim de sua aparição. Uma coisa, no entanto, é certa: lembro-me bem dela, de sua luz forte e de sua pequena forma como se ainda estendesse seu brilho sobre meus olhos tenros de criança, acho que nunca irei me esquecer de te-la presenciado tal qual a santidade que historicamente se apresenta aos pequenos que ousam a procurar nas pequenas coisas.
eu tive essa experiência também. quando eu era pequena, eu tinha muito medo da imagem de nossa senhora de fátima, por algum motivo. parece que ela te observa, sei lá.
quando eu era pequena tinha um quadro de santa luzia no meu quarto. sabe, aquela santa que segura os próprios olhos decepados num pires. bem capa de álbum de heavy metal. depois me perguntam porque eu sou meio obcecada com terror e coisas mórbidas hoje em dia
aqui em casa nós temos um menino de jesus de praga que brilha no escuro também. é um tanto...sublime