#4 A serventia da literatura ruim
No âmbito literário moram algumas “incógnitas” sociais, sendo uma delas o diálogo nem sempre claro do ser ou não ser da boa/má literatura e as desavenças entre as noções populares do que compoem um /bom/ livro ; esse é um mérito que não esmiuçarei hoje, no entanto, pois prefiro me debruçar sobre as talvez efêmeras serventias dessa tal terrível literatura.
De um ponto de vista teórico e quase-ser formalista,a literatura “inferior” - qual podemos chamar de literatura de banca da esquina - assume um papel de contraposição, pois a partir dela pode-se cercar e classificar aquela que é “boa”, a que se completa através da construção primorosa, dos diálogos sagazes, das temáticas pungentes e bem, da irreverência com que se apresenta ao mundo.Essa é, de certa forma, uma parte essencial da cadeia literária.
Ao se apegar ao ponto de vista público, a tal má literatura - que não precisa nem ser nomeada explicitamente em rodas de conversa para ser reconhecida - é sinônimo de entretenimento, formada por livros tidos como populares, fáceis e essenciais para o ato de “desligar a cabeça” durante sua leitura, o que for que isso signifique. Mora nessa definição os livros que muitas vezes não atingem a satisfação de uma boa história e que acabam por tornarem-se santos na luta contra o fantasma inventado da “literatura elitista e arrogante”.
Enfim, essa é a grande questão num mundo regido pela disseminação da leitura como hobbie internético - que, para deixar claro, eu não me encontro contra.
Mas esse não é o ponto principal desse texto, aqui estou para dialogar sobre noções pessoais em relação à famigerada literatura de banca de esquina.
Recentemente me vi ingressando em um clube de leitura como forma de me engajar mais ativamente com a literatura após um ano caótico e quase seco, formar possíveis amizades e experienciar o prazer de me deparar com novas obras. Nesse clube a primeira obra que lemos em conjunto foi um livro que, para mim, se encaixa perfeitamente na má literatura.
Uma narrativa em apenas um tom, seca, sem sustância ou variedade, um livro que se sustenta apenas no “e se” de sua proposta inicial e que comete o pecado grave de nem fomentar um contexto decente para seu desenvolvimento.
Esse tal livro, é claro, gerou discussões fervorosas no encontro dedicado a ele, trazendo a tona opiniões fortes contra sua procedência e também levantou no grupo uma questão que sacia o inquérito de serventia da má literatura: a leitura à base do ódio pode ser uma excelente prática para excomungar demônios e aprimorar noções literárias a partir da experiência crítica.
De forma geral, para mim, tornou-se claro que ler coisas ruins de vez em quando aprimora os sentidos, tornando-se mais claro o que é /bom/, pois conhece-se também o que é /ruim/ no mundo afora, de um ponto de vista tanto como leitora quanto como estudiosa da área. Nesse quesito, chega até ser enfadonha a existência de leituras ausentes em crítica quando a literatura é tão rica e propensa ao pensamento crítico.
A serventia da má literatura é, afinal, sua própria existência como objeto inferior, esse que deve ser consumido com cautela e que pode ser consumido como válvula de escape de ódio ou como estudo crítico de suas pernas bambas. Essa literatura serve o que propõe, afinal, a mediocracia de sua formulação é que delimita ela mesma, a colocando no papel de apelar a um público geral por não trazer substância alguma no peso de suas páginas.